domingo, 6 de dezembro de 2015

Uma fresta na sala de aula

Como os professores sobrevivem à opressão do dia-a-dia? Estudos mostram que existem diferentes formas de lidar e resistir com este cotidiano que leva muitos profissionais a desenvolver diversas patologias no corpo e na alma. Os relatos que seguem falam sobre isto. Mostram diversas maneiras de resistência que se manifestam por tentativas de conquistar, ouvir e aceitar as contribuições dos alunos.  Narram também momentos em que os docentes aceitam os próprios erros e riem das contradições de suas práticas, junto com os alunos. A visão cômica da vida e de si mesmo, hoje disseminada na nossa cultura, é legitimada por uma sociedade que valoriza a alegria superficial, espontaneidade aparente, a ironia amena e o sarcasmo suavizado. Por ajudar a aliviar as tensões do cotidiano, e por fazer muito sucesso com os alunos, os profissionais bem-humorados são muito bem recebidos pelas instituições escolares e permanecem mais tempo em atividade profissional.

“Eu estava dando aula de comunicação não verbal. Disse à turma que lançaria um signo qualquer e a resposta deles provaria se a teoria da linguagem que discutíamos estava certa ou não. Eu lati. A turma riu, e também. No fim das contas, o exemplo não serviu muito bem para o propósito didático, mas foi um momento divertido que descontraiu a aula.”

“A imaturidade e a pouca experiência profissional nos colocam em situações hilárias. Lembro-me da ansiedade que me tomou conta nos dias que antecederam as minhas primeiras aulas em uma escola ‘moderna’. Não era um espaço de ensino comum, mas um local que se propunha trabalhar de forma diferenciada, inclusiva. Apesar da intenção e da boa vontade de todos, naquela época, pouco sabíamos sobre o assunto. O que nos tranquilizava era que ideologicamente comungávamos com a vontade de construção de uma sociedade menos injusta e acreditávamos em direitos iguais a todos. Isto nos unia, nos tornava uma equipe. Não tínhamos muita clareza de como transformar esta intenção em práticas pedagógicas de sala de aula, de como atuar no dia a dia. Não falávamos de déficits e de síndromes, temas restritos ao campo da medicina, e longe da escola. Bem, no primeiro dia, ao entrar na sala, munido de um planejamento impecável, encontrei os alunos reais. Depois de alguns minutos me apresentando e buscando a empatia daquela garotada de sorriso simpático, notei P., que se mantinha distante, brincando de escrever na mesa e jogar minúsculos pedaços de borracha na cabeça de uma colega, que insistentemente pedia para ele parar. Muito indignado com o comportamento do aluno, pedi que ele o cessasse. Ele, obstinadamente, continuava na sua tarefa de incomodar a aluna e de, nos intervalos de sua ação, rabiscar a fórmica branca da mesa. Buscando me manter sereno, mas de forma enfática, exigi que ele parasse. Ele continuava ignorando o meu pedido e a minha autoridade naquele espaço. Incomodado e indignado, sentindo uma tensão no ar, me aproximei e, aumentando o tom de voz, disse: ‘você não tá me escutando, não? É surdo?’ Neste momento, um aluno, que estava sentado próximo a P. disse: ‘professor, ele é surdo sim!’. Que começo! Felizmente, a turma toda riu, e eu também. Kkkkkkk”  

“Tudo bem, eu vou contar! Mas tenho certeza que vocês não vão acreditar. Estava eu dando aula para uma turma de 9º ano quando entra uma aluna. Daquelas que não abrem espaço para diálogo. Difííícil. Ela estava de headphone. Pensei: Vou perguntar o que esta escutando, assim conquistar a simpatia dela. E assim foi. Mas para minha surpresa e tenho certeza que para de vocês também, ela respondeu: ‘Não estou escutando nada! Eu fico de headphone para as pessoas não falarem comigo!’. Segui minha aula com esta resposta no meu ouvido.”

“Em uma aula eu planejei ensinar diferentes tempos verbais a partir da leitura de um texto sobre a história de um caçador de tigres. Porém, os alunos começaram a debater se caçar tigres é certo ou errado. Alguns defenderam que estes animais precisam ser preservados. Esta história cresceu de um modo que estes alunos criaram uma página no Facebook para o tal caçador imaginário. Eles postavam as histórias mais engraçadas, mas NADA relacionadas à nossa disciplina. O importante é que a nossa relação melhorou e eles passaram a aceitar mais as propostas de atividades que eu levava para as aulas.” 

 “Os alunos descobriram uma fresta na sala de aula entre o quadro negro e a parede aonde cabia a J. Uma aula, quando entrei na sala, eu percebi os alunos muito organizados e quietos, então desconfiei... A aluna escondida atrás do quadro começou a fazer voz de fantasma e chamar o meu nome. Falei para a turma ‘Só quero ver se este fantasma vai vir aqui no dia da prova para ajudar vocês!’ Todos riram, eu também.”

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