Como
os professores sobrevivem à opressão do dia-a-dia? Estudos mostram que existem
diferentes formas de lidar e resistir com este cotidiano que leva muitos
profissionais a desenvolver diversas patologias no corpo e na alma. Os relatos
que seguem falam sobre isto. Mostram diversas maneiras de resistência que se
manifestam por tentativas de conquistar, ouvir e aceitar as contribuições dos
alunos. Narram também momentos em que os docentes
aceitam os próprios erros e riem das contradições de suas práticas, junto com
os alunos. A visão cômica da vida e de si mesmo, hoje disseminada na nossa
cultura, é legitimada por uma sociedade que valoriza a alegria superficial,
espontaneidade aparente, a ironia amena e o sarcasmo suavizado. Por ajudar a
aliviar as tensões do cotidiano, e por fazer muito sucesso com os alunos, os
profissionais bem-humorados são muito bem
recebidos pelas instituições escolares e permanecem mais tempo em atividade
profissional.
“Eu estava dando aula de comunicação não verbal. Disse à
turma que lançaria um signo qualquer e a resposta deles provaria se a teoria da
linguagem que discutíamos estava certa ou não. Eu lati. A turma riu, e também.
No fim das contas, o exemplo não serviu muito bem para o propósito didático,
mas foi um momento divertido que descontraiu a aula.”
“A imaturidade e a pouca experiência profissional nos colocam
em situações hilárias. Lembro-me da ansiedade que me tomou conta nos dias que
antecederam as minhas primeiras aulas em uma escola ‘moderna’. Não era um
espaço de ensino comum, mas um local que se propunha trabalhar de forma
diferenciada, inclusiva. Apesar da intenção e da boa vontade de todos, naquela
época, pouco sabíamos sobre o assunto. O que nos tranquilizava era que
ideologicamente comungávamos com a vontade de construção de uma sociedade menos
injusta e acreditávamos em direitos iguais a todos. Isto nos unia, nos tornava
uma equipe. Não tínhamos muita clareza de como transformar esta intenção em práticas
pedagógicas de sala de aula, de como atuar no dia a dia. Não falávamos de
déficits e de síndromes, temas restritos ao campo da medicina, e longe da
escola. Bem, no primeiro dia, ao entrar na sala, munido de um planejamento
impecável, encontrei os alunos reais. Depois de alguns minutos me apresentando
e buscando a empatia daquela garotada de sorriso simpático, notei P., que se
mantinha distante, brincando de escrever na mesa e jogar minúsculos pedaços de
borracha na cabeça de uma colega, que insistentemente pedia para ele parar.
Muito indignado com o comportamento do aluno, pedi que ele o cessasse. Ele,
obstinadamente, continuava na sua tarefa de incomodar a aluna e de, nos
intervalos de sua ação, rabiscar a fórmica branca da mesa. Buscando me manter
sereno, mas de forma enfática, exigi que ele parasse. Ele continuava ignorando
o meu pedido e a minha autoridade naquele espaço. Incomodado e indignado, sentindo uma tensão no ar, me aproximei e,
aumentando o tom de voz, disse: ‘você não tá me escutando, não? É surdo?’ Neste
momento, um aluno, que estava sentado próximo a P. disse: ‘professor, ele é
surdo sim!’. Que começo! Felizmente, a turma toda riu, e eu também. Kkkkkkk”
“Tudo bem, eu vou contar! Mas tenho certeza que vocês não vão
acreditar. Estava eu dando aula para uma turma de 9º ano quando entra uma
aluna. Daquelas que não abrem espaço para diálogo. Difííícil. Ela
estava de headphone. Pensei: Vou
perguntar o que esta escutando, assim conquistar a simpatia dela. E assim foi.
Mas para minha surpresa e tenho certeza que para de vocês também, ela
respondeu: ‘Não estou escutando nada! Eu
fico de headphone para as pessoas não
falarem comigo!’. Segui minha aula com esta resposta no meu ouvido.”
“Em uma aula eu planejei ensinar diferentes tempos verbais a
partir da leitura de um texto sobre a história de um caçador de tigres. Porém,
os alunos começaram a debater se caçar tigres é certo ou errado. Alguns
defenderam que estes animais precisam ser preservados. Esta história cresceu de
um modo que estes alunos criaram uma página no Facebook para o tal caçador imaginário. Eles postavam as histórias
mais engraçadas, mas NADA relacionadas à nossa disciplina. O importante é que a
nossa relação melhorou e eles passaram a aceitar mais as propostas de
atividades que eu levava para as aulas.”
“Os alunos descobriram
uma fresta na sala de aula entre o quadro negro e a parede aonde cabia a J. Uma
aula, quando entrei na sala, eu percebi os alunos muito organizados e quietos,
então desconfiei... A aluna escondida atrás do quadro começou a fazer voz de
fantasma e chamar o meu nome. Falei para a turma ‘Só quero ver se este fantasma
vai vir aqui no dia da prova para ajudar vocês!’ Todos riram, eu também.”
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