sábado, 13 de agosto de 2016

A ‘criminalização’ do professor

As escolas privadas aonde eu trabalho são espaços privilegiados de discussão. Eu não me sinto ameaçado, mas preciso tomar muitos cuidados, em termos de formas de abordar os assuntos. Assim, por exemplo, eu estou agora fazendo um estudo das ideologias do século 19, a gente já falou do liberalismo e agora a gente está falando do socialismo, comunismo, anarquismo. Eu tenho todo um discurso inicial de mostrar que o que a gente está estudando são as ideias do século 19, não é uma proposta política dos dias de hoje. É um conhecimento teórico que é importante. Tenho que ter este cuidado porque a qualquer momento pode surgir: ‘o professor está ensinando comunismo, está doutrinando, está fazendo campanha eleitoral. Uma vez um pai veio falar que ele não gostava que eu falasse ditadura militar em sala de aula, que eu tinha que falar de governo militar. Eu conversei com a direção e com a turma que a gente precisa conhecer o que é uma ditadura para a gente entender a democracia. Este é um tipo de interferência que pode acontecer em uma escola privada, estas questões de pressões sobre o que você pode ou não falar, trabalhar dentro da sala. Na verdade, é toda uma visão, digamos assim, quase policial, da atividade de professor. O site do Escola sem Partido ensina o aluno como fazer uma denúncia, quais são os passos que o aluno deve tomar para denunciar o professor contra assédio ideológico e a doutrinação. É um tipo de ditadura, se você fala uma coisa, o aluno anota ou grava, depois fala com o pai, o pai vai não sei aonde ... E, se este projeto passa, ele ‘crimilaliza’ o professor, que pode pegar até um ano de prisão por estar cometendo assédio ideológico. A gente está vivendo um momento em que o conservadorismo está ficando muito aguçado e eu sei o quanto isto avança. Hoje, a gente tem alunos que fazem parte de grupos, trocam mensagens, escrevem para estes sites defendendo o Bolsonaro, trocam fotografias. Há um aumento disto, eles formam grupos, que agem como manifestações de violência. Daí, a gente vê coisas como a que aconteceu na UFRJ, o assassinato do menino gay. Você começa a se ver, de certa forma, ameaçado com isto e com um projeto como este, Escola sem partido. Eu não sei, assim, como é que isto vai crescer no futuro. Eu poderia dizer que já estou indo, que já vou me aposentar, mas não! É a educação que está em jogo! A gente até pergunta o que é o assédio ideológico. Se eu chego em sala de aula e vou discutir o racismo, vem um e diz que racismo não existe no Brasil. Mas se eu chego em sala e digo: não há racismo no Brasil, isto também não é uma manifestação ideológica? Não pode discutir as questões de gênero, que é outra coisa que o Escola sem Partido diz que não pode discutir. Você vai dizer que não há problemas? Isto também não é uma posição? Principalmente para a área da história e da sociologia, que discute estes temas, as coisas estão ficando estranhas. 

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