As escolas privadas aonde eu trabalho são espaços privilegiados de
discussão. Eu não me sinto ameaçado, mas preciso tomar muitos cuidados, em termos de formas de abordar os
assuntos. Assim, por exemplo, eu estou agora fazendo um estudo das ideologias
do século 19, a gente já falou do liberalismo e agora a gente está falando do
socialismo, comunismo, anarquismo. Eu tenho todo um discurso inicial de mostrar
que o que a gente está estudando são as ideias do século 19, não é uma proposta
política dos dias de hoje. É um conhecimento teórico que é importante. Tenho
que ter este cuidado porque a qualquer momento pode surgir: ‘o professor está
ensinando comunismo, está doutrinando, está fazendo campanha eleitoral. Uma vez um pai veio falar que ele não gostava que eu falasse ditadura
militar em sala de aula, que eu tinha que falar de governo militar. Eu conversei
com a direção e com a turma que a gente precisa conhecer o que é uma ditadura
para a gente entender a democracia. Este é um tipo de interferência que pode
acontecer em uma escola privada,
estas questões de
pressões sobre o que você pode ou não falar, trabalhar dentro da sala. Na verdade, é toda uma visão, digamos assim, quase
policial, da atividade de professor. O site do Escola sem Partido ensina o
aluno como fazer uma denúncia, quais são os passos que o aluno deve tomar para
denunciar o professor contra assédio ideológico e a doutrinação. É um tipo de
ditadura, se você fala uma coisa, o aluno anota ou grava, depois fala com o
pai, o pai vai não sei aonde ... E, se este projeto passa, ele ‘crimilaliza’ o professor, que pode pegar até um ano de
prisão por estar cometendo assédio ideológico. A gente está vivendo um momento
em que o conservadorismo está ficando muito aguçado e eu sei o quanto isto
avança. Hoje, a gente tem alunos que fazem parte de grupos, trocam mensagens,
escrevem para estes sites defendendo o Bolsonaro, trocam fotografias. Há um
aumento disto, eles formam grupos, que agem como manifestações de violência.
Daí, a gente vê coisas como a que aconteceu na UFRJ, o assassinato do menino gay. Você começa a se ver, de certa
forma, ameaçado com isto e com um projeto como este, Escola sem partido. Eu não
sei, assim, como é que isto vai crescer no futuro. Eu poderia dizer que já
estou indo, que já vou me aposentar, mas não! É a educação que está em jogo! A
gente até pergunta o que é o assédio ideológico. Se eu chego em sala de aula e
vou discutir o racismo, vem um e diz que racismo não existe no Brasil. Mas se
eu chego em sala e digo: não há racismo no Brasil, isto também não é uma
manifestação ideológica? Não pode discutir as questões de gênero, que é outra
coisa que o Escola sem Partido diz que não pode discutir. Você vai dizer que
não há problemas? Isto também não é uma posição? Principalmente para a área da
história e da sociologia, que discute estes temas, as coisas estão ficando
estranhas.
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