sábado, 13 de agosto de 2016

O magistério não pode ser só um emprego!

“É nesta faixa etária eu gosto de atuar, com os adolescentes. Eu acho que esta é uma forma de modificar as coisas, modificar as pessoas. Eu acredito muito na coisa do exemplo, em você trabalhar com seriedade, mostrar o empenho para as pessoas. Eu encaro quase como uma missão. Neste sentido: você precisa ajudar a sociedade a combater os preconceitos, a ter mais tolerância. Mais do que tolerância, é coexistência, é poder viver do lado. Eu acho que a gente precisa trabalhar isso porque é na escola que essas coisas acontecem. Isto para mim não passa por uma cobrança ou demanda da escola. Não é que a escola me peça que eu cumpra este papel, mas eu acho que faz parte da minha função mesmo. Acho óbvio que a minha atuação tem que ser nesta direção. Quer dizer de pensar, de dar opinião, de ouvir o outro, de não concordar, mas dizer assim: ‘argumenta mais, quem sabe eu possa concordar com o que você está falando?’ Assim, de produzir aquilo que você prega. De fazer no dia-a-dia. Todas as escolas falam sobre formação de cidadão e de lideranças, de lideranças políticas e empresariais. Não dá para se formar estas lideranças sem se buscar mais espaço para a conversa, sem humanizar as relações, sem mostrar diferentes pontos de vista. Eu acho que a função da escola e do professor é educar. Não dá para pensar no magistério como apenas uma atividade. Não pode ser só um emprego! Não combina. Aí é ruim, se você acha que dar aula é só fazer aquilo que a escola está pedindo, só ir cumprindo aquelas coisas. Se não pensa que a sua função é educação, que é uma coisa muito maior, aí é insuportável. É insuportável você ter que conviver com uma série de dificuldades. É uma coisa pesada, existem dificuldades no trabalho. Por exemplo: preparar e corrigir provas, até de madrugada. Ou então, assumir certos papéis que seriam da família, tipo: primeiro você ouve as pessoas, depois você fala; é preciso dormir cedo para acordar cedo e acompanhar as aulas; é preciso ter atitudes de sala de aula, e por aí vai. Tem que haver um sentido maior. Eu acho que a minha principal função dentro da escola ultrapassa ensinar história. Eu acho que eu estou ali realmente para tentar formar uma pessoa boa, um cidadão. Acho que é isto. Eu posso afirmar: isto não é só um discurso. Este é o sentido do meu trabalho. Eu não conheço ninguém que, tendo sido professor, tenha mudado. Porém, ter uma carreira é ir mudando de escola até conseguir trabalhar em escolas melhores, porque não existe plano de carreira nas escolas privadas.”

Falar é ultrapassar a reclamação

“Falar sobre educação, falar sobre trabalho, falar sobre o que eu faço é falar sobre alguma coisa com que eu me preocupo. Assim, a gente pode contribuir para ultrapassar a coisa da reclamação, sair do pessoal (assim, você é que tem uma relação ruim com isto), ajudar a gente ver uma realidade comum. Por mais que tenha uma escola diferente da outra, há uma realidade comum. Ajudar a sociedade a ver que  o trabalho do professor está cada vez maior e mais pesado, em função de uma demanda que é cada vez maior, com cada vez mais cobrança dos patrões, das escolas, de escolas que estão virando mais empresas no sentido dos seus objetivos e da sua função. Estão sucateando cada vez mais o ensino público e o ensino privado também! Falar é fazer um tipo de denúncia, levantar para todos as perguntas: É isto que a gente quer? Este tipo de escola?”

Existe mais resistência, mais capacidade de discutir

“Eu me formei em 1984, a ditadura acabou em 85. Então, era uma coisa quase que natural naquele momento. E aí, é estranho imaginar que o que aconteceu ao longo desses anos foi ao contrário assim, a gente vive em tempos democráticos, mas este envolvimento político foi diminuindo, diminuindo. E chega agora, este tipo de pressão, que as escolas fazem, a reação é quase nenhuma, as pessoas não querem se expor, não querem se colocar. Aí, a gente entende também. É uma crise, a pessoa tem medo de não arrumar outro lugar e tal, mas eu acho que em função dessa história, que eu vivi, as pessoas da minha geração são mais capazes de resistir. Eu acho que existe   mais resistência, mais capacidade de discutir e dizer ‘olha, isso aí não tá legal! A gente tem uma demanda de trabalho cada vez maior. Coisas que, quando eu comecei no magistério, a gente entregava as notas e tinha alguém na secretaria que fazia todo o restante. Agora a gente mesmo faz tudo. Porque vai modernizando com a tecnologia. Agora você digita tudo no sistema, dentro de um prazo para digitar Esta tecnologia vai criando mecanismos de você trabalhar em casa. Eles dizem que a vantagem é que a gente pode fazer de casa, de casa você manda. Aí, você produz o material e envia para a escola para ser reproduzido. Na escola em que eu trabalho a gente tem uma resistência maior. Os professores já estão há bastante tempo na escola. Uma vez, a coordenadora pediu para a gente mandar, através do google docs, um comentário sobre os alunos. Os professores disseram: deixa o sindicado discutir a respeito deste tipo de trabalho para a gente então fazer isto. Senão, a gente conversa a respeito dos alunos durante a reunião’. Aceitaram a nossa posição, mas tentaram fazer deste trabalho extra feito em casa uma coisa natural. Parece ser mais tranquilo e até mais natural os professores do ensino médio terem este envolvimento maior, não sei bem porquê.”

A ‘criminalização’ do professor

As escolas privadas aonde eu trabalho são espaços privilegiados de discussão. Eu não me sinto ameaçado, mas preciso tomar muitos cuidados, em termos de formas de abordar os assuntos. Assim, por exemplo, eu estou agora fazendo um estudo das ideologias do século 19, a gente já falou do liberalismo e agora a gente está falando do socialismo, comunismo, anarquismo. Eu tenho todo um discurso inicial de mostrar que o que a gente está estudando são as ideias do século 19, não é uma proposta política dos dias de hoje. É um conhecimento teórico que é importante. Tenho que ter este cuidado porque a qualquer momento pode surgir: ‘o professor está ensinando comunismo, está doutrinando, está fazendo campanha eleitoral. Uma vez um pai veio falar que ele não gostava que eu falasse ditadura militar em sala de aula, que eu tinha que falar de governo militar. Eu conversei com a direção e com a turma que a gente precisa conhecer o que é uma ditadura para a gente entender a democracia. Este é um tipo de interferência que pode acontecer em uma escola privada, estas questões de pressões sobre o que você pode ou não falar, trabalhar dentro da sala. Na verdade, é toda uma visão, digamos assim, quase policial, da atividade de professor. O site do Escola sem Partido ensina o aluno como fazer uma denúncia, quais são os passos que o aluno deve tomar para denunciar o professor contra assédio ideológico e a doutrinação. É um tipo de ditadura, se você fala uma coisa, o aluno anota ou grava, depois fala com o pai, o pai vai não sei aonde ... E, se este projeto passa, ele ‘crimilaliza’ o professor, que pode pegar até um ano de prisão por estar cometendo assédio ideológico. A gente está vivendo um momento em que o conservadorismo está ficando muito aguçado e eu sei o quanto isto avança. Hoje, a gente tem alunos que fazem parte de grupos, trocam mensagens, escrevem para estes sites defendendo o Bolsonaro, trocam fotografias. Há um aumento disto, eles formam grupos, que agem como manifestações de violência. Daí, a gente vê coisas como a que aconteceu na UFRJ, o assassinato do menino gay. Você começa a se ver, de certa forma, ameaçado com isto e com um projeto como este, Escola sem partido. Eu não sei, assim, como é que isto vai crescer no futuro. Eu poderia dizer que já estou indo, que já vou me aposentar, mas não! É a educação que está em jogo! A gente até pergunta o que é o assédio ideológico. Se eu chego em sala de aula e vou discutir o racismo, vem um e diz que racismo não existe no Brasil. Mas se eu chego em sala e digo: não há racismo no Brasil, isto também não é uma manifestação ideológica? Não pode discutir as questões de gênero, que é outra coisa que o Escola sem Partido diz que não pode discutir. Você vai dizer que não há problemas? Isto também não é uma posição? Principalmente para a área da história e da sociologia, que discute estes temas, as coisas estão ficando estranhas. 

domingo, 7 de agosto de 2016

Vender salgadinho, abrir um restaurante, um salão de cabeleireiro ou uma escola?

A sala de aula na escola-empresa não é mais para ensinar e aprender. Eu entendo como uma fonte de renda, como vender salgadinho ou abrir um restaurante, um salão de cabeleireiro ou uma escola. O professor fica no lugar de um incapaz. Incapaz de tomar decisões, incapaz de tomar conta da sua turma, uma pessoa que precisa de instrução, e não de desenvolvimento técnico e pessoal. A sua capacidade de decisão é cerceada, por meio de um controle absoluto da sua atividade, da sua prática, tal qual acontece em uma fábrica de porca e parafuso. Eu sinto uma mudança de filosofia, de qual é a importância daquilo que está acontecendo em sala de aula. E esta mudança é do pensamento pedagógico para o pensamento mercadológico.  Com esta mudança de eixo você transforma toda a essência do trabalho e dos resultados, o que deveria ser voltados para o aprendizado se torna mercadológico. Eu penso que daí resulta uma influência direta, e reta, e prejudicial aos alunos, e ao bem-estar psicológico e físico dos professores. Estas dinâmicas impactam o meu bem estar físico e psicológico porque a gente vive em um estado psicologicamente massacrante, de pressão o tempo todo, E um constante questionamento sobre se a gente está no lugar certo ou não, se a gente gostaria de estar no lugar onde está. Isto dá uma sensação de insegurança. Não só em relação ao que a empresa tem a oferecer não, mas, em relação ao que eu quero com isto. Os meus questionamentos ficam em torno do viés pedagógico, dos objetivos pedagógicos, e dos motivos pelos quais eu escolhi ser professora. E fisicamente, a gente fica exaurida, porque enquanto a cabeça está tentando entender esta dinâmica toda, fisicamente a gente tem que estar jogando nas 11!

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Dentro da caixinha, mas de olho nas brechas

Ultimamente, venho me incomodando profundamente com o meu lugar de professora, meu papel nesse sistema escolar que há muito já não atende ao novo milênio. Venho buscando apoio para transformar minhas inquietações em inovações. Precisei procurar alentos, saídas, pessoas. Eu fiz cursos, busquei parcerias, uma rede de apoio com pessoas que sintonizam comigo. Vou contornando os desafios da minha prática docente pela minha sobrevivência. Pelo salário, pelo emprego, segurança, estabilidade, esses valores do nosso modelo econômico. Tenho tentado não ficar só na revolta, pois acho que cheguei aqui por causa desse percurso tradicional. Tenho desejo de dialogar com o sistema, mas me convenço de que a educação formal não é mais a saída, ou a resposta para os tempos e as demandas atuais. Por enquanto, vou seguindo dentro do sistema, de olho nas brechas onde posso achar uma abertura para experimentar, romper alguns paradigmas. Vou abrindo brechas dentro do próprio sistema, com os meus alunos. Afinal, o que é que está ali, me chamando todo dia? É a sala de aula! Então, tento dali fazer o melhor, achar uma brecha para inovar, para criar, porque não? Dentro da caixinha, mas agindo como educadora. 

terça-feira, 2 de agosto de 2016

O coração da escola-empresa

“A escola-empresa quer vender uma imagem de que é uma instituição de ensino quando, na verdade, é uma fachada de uma grande empresa que, no momento, está aplicando no ramo da educação. É muito mais desgastante, não só o desgaste natural da sala de aula, porque sempre tem embate com aluno, que é um desgaste esperado, que dá para a gente lidar. O problema é quando você não tem uma instituição que te dá apoio, porque ela não está preocupada em te ouvir, por exemplo. Ela está preocupada em fazer com que as coisas fiquem dentro de um padrão que ela estabeleceu, que ela acha que é isto que vai manter o aluno. É frustrante você não ser ouvido e estar sujeito a uma gerente. Aliás, o nome já diz tudo, é gerente não é nem uma coordenadora, assim é gerente, né? E não necessariamente está com o olhar do professor. Ela está com o olhar administrativo para cima daquele contexto. Eu não acho que uma empresa comungue com a ideologia de um professor. Porque a empresa visa uma coisa, o professor visa outra. O professor não está preocupado com bater metas. Um professor espera encontrar uma instituição de ensino no lugar aonde vai dar aulas, mas encontra um sistema corporativo no qual é menos valorizado do que o pessoal do escritório, que faz aqueles materiais, atividades e planos de aula padrão, para contratar qualquer professor sem experiência. Eu acho que o que mais mantém um aluno é ter uma relação pessoal. E a relação pessoal não se faz se você está seguindo padrão. Se você padroniza, você não está sendo pessoal. É justamente no contato mais pessoal e na troca, no mais individualizado e menos padronizado, que você mantém um aluno, que ele se sente parte da casa. Ele só vai se sentir em casa se se sentir bem em sala de aula, na relação com o professor, Então, não dá para cumprir vários procedimentos de padronização, a gente têm que burlar o sistema. É muito estressante você trabalhar neste contexto. Até porque é um contexto em que o professor não se sente valorizado. Em qualquer instituição de ensino, o professor é o coração dela. Mas ele não é nem pago nem reconhecido como coração da empresa. Mesmo sendo ele quem mantém o aluno ali, ele é menos valorizado, pouquíssimo ouvido, pouquíssimo considerado. Fica muito cansativo, não é muito saudável você trabalhar em um ambiente onde as pessoas não comungam de uma ideologia comum.”